sábado, 5 de outubro de 2013

Quatro poemas de Henrique Manuel Bento Fialho

AUTO-ESTRADA DO SUL
A velocidade dos veículos
é proporcional à ânsia de chegar.
Jamais saberemos se os veículos
chegarão à velocidade com que circulam,
mas temos noção de que
em todas as chegadas há uma velocidade
a circular dentro de quem parte.
Uma velocidade conduzida, talvez,
pela vontade de novamente circular
dentro de tudo o que nos impele para o regresso,
dentro de tudo quanto transita,
dentro de tudo aquilo que já não existe.
***
Retomo a casa onde as noites têm a luz dos dias.
Não é a mesma casa de onde parti, nada é o mesmo
quando se regressa. Só o canto dos grilos, a dança
dos canaviais e o mar ao longe permanecem
intactos. Também as constelações, desde o sono
divino as mesmas, abraçam a quietude terrena.
Oferecem-nos vinho, batatas e ovos, pimentos
e tomates, sorrisos, uma certa nostalgia no olhar.
Nunca tinha reparado, onde as portas se abrem
sossegam os anseios. Se ao menos pudéssemos
aprender o proveito de estarmos sempre perto
de quem nos quer bem. Mas que bem nos querem
aqueles cuja ausência é só mais uma lição
de que estamos vivos e, por isso mesmo, quase mortos?
***
Pelas 7 a maré está baixa. Os polvos, escondidos
nas rochas, ficam à mão de semear. Balde num braço,
gancho nos dedos, descemos ao mar. Das enseadas
todas as marés são baixas. Puxamos das rochas
estrelas do mar, anémonas, cracas. Os polvos estarão
já, a esta hora, na cozinha de um restaurante onde
hordas de turistas lambuzarão os dedos. Velhos e
novos, nenhum escapa aos mergulhadores pelas 4.
Metemos as mãos a medo, mordem-nos caranguejos,
enchemos um balde com burriés. Uma cabana rente
ao mar numa aldeia piscatória, nada de telefone, nada
de rendas. As nossas academias amanham percebes
como quem devolve ao passado os promontórios
da sabedoria. Malcolm Lowry aos jantar, pelas 10.
***
NOITE ESTRELADA
Onde as flores sobrelevam fronteiras
e desabrocham para lá dos vasos,
para lá dos canteiros,
assomando à beira dos regaços
uma luz que queima a terra de alegria,
encontra o consolo a sua satisfação.
Onde as estrelas perdem a idade
que as separa umas das outras,
a distância que distingue a efemeridade do eterno,
encontra a satisfação o seu consolo.

[in Rogil, Volta d'Mar, 2012]

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