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sábado, 5 de janeiro de 2013

Se houvesse degraus na terra



Antologia 2013, poeta do dia 05/01/2013, poema #6

HERBERTO HÉLDER

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,

eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.

No céu podia tecer uma nuvem toda negra.

E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,

e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.


Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,

levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.

Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,

e a fímbria do mar, e o meio do mar,

e vermelhas se volveram as asas da águia

que desceu para beber,

e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.


Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.

Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.

Correram os rapazes à procura da espada,

e as raparigas correram à procura da mantilha,

e correram, correram as crianças à procura da maçã.




a estrela que te devora e de que tremes todo



Antologia 2013, poeta do dia 05/01/2013, poema #5

HERBERTO HÉLDER


A labareda da estrela oculta a estrela, numa

rebentação de luz

a camisa oculta a camisa, e o sangue às riscas

gira e brilha no fundo da camisa contra a estrela:

que te abalam do direito adentro ao esquerdo:

o choque púrpura, o ascensional

néon ardendo

- e como é que isto é um segredo? -

a mão oculta-se na queimadura a cada faísca da folha

- mas como se escreve o sentido? -

o sangue que o escreve oculta o sangue e o escrito

- e então como se oculta e desoculta

isto: a estrela que te devora e de que tremes todo,

bêbado e nocturno?


Herberto Helder (1930)


Anoitecer

Antologia 2013, poeta do dia 04/01/2013, poema #4
FLORBELA ESPANCA
ANOITECER

A luz desmaia num fulgor d'aurora,
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui...outr'ora...

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora,
Tenho bençãos d'amor para toda a gente!
E a minha alma sombria e penitente
Soluça no infinito desta hora...

Horas tristes que são o meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Ó meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...

Florbela Espanca
(1894-1930)

Mais sobre Florbela Espanca em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Florbela_Espanca












foto: aj c.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Madalena



Antologia 2013, poeta do dia 03/01/2013, poema #3


Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil...
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dúctil...
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensanguentado, enxovalhado, inútil,

Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqüilo, - o fastio da cama...
Ó redenção do mármore anatômico,

Amargura, nudez de seios castos!...
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!

Camilo Pessanhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Camilo_Pessanha


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Em que história nos perdemos

Antologia para 2013, POETA do dia 02/01/2013, poema #2:

Em que história nos perdemos
Em que ruas não pisamos nunca juntos
que brilho nos olhos recusamos
Aurora dos olhos claros
novo fantasma das noites solitárias.

Martín López-Vega.

Qué historia nos perdimos,
qué calles no pisamos nunca juntos,
qué brillo en los ojos rehusamos.
Cuando la vida duele uno rechaza
sus ofrecimientos, desconfía
si de pronto se muestra amable,
teme que todo no sea nada más
que una nueva treta.
Por eso, cuando te me apareciste
allí, sola, en aquel vagón
de tren, dormida,
sonriendo en medio de algún hermoso sueño
del que yo no formaba parte,
creí ver tras tu rostro
al más antiguo de mis enemigos,
y no me atreví a sentarme a tu lado,
y me fui a otro compartimento
vacío y no vacío,
lleno de muy conocidos fantasmas.
( Te huí también al día siguiente
en el coche restaurante,
cuando quisieron presentarnos,
y en la estación, cuando coincidimos
en el bullicio de una noche extraña )

Qué historia nos perdimos,
qué calles no pisamos nunca juntos,
qué brillo en los ojos rehusamos,
Aurore de los ojos claros,
nuevo fantasma de las noches solas

http://es.wikipedia.org/wiki/Mart%C3%ADn_L%C3%B3pez-Vega


em todas as ruas te perco



Antologia para 2013, POETA do dia 01/01/2013, poema #1:

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny, in "Pena Capital"



http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Cesariny