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domingo, 6 de janeiro de 2013

Crepuscular

Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados,
Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
_ Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
_ É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.

- Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Madalena



Antologia 2013, poeta do dia 03/01/2013, poema #3


Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil...
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dúctil...
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensanguentado, enxovalhado, inútil,

Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqüilo, - o fastio da cama...
Ó redenção do mármore anatômico,

Amargura, nudez de seios castos!...
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!

Camilo Pessanhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Camilo_Pessanha


SONETO

Quando voltei encontrei os meus passos
Ainda fresco sobre a húmida areia.
A fugitiva hora, reevoquei-a,
— Tão rediviva! nos meus olhos baços...

Olhos turvos de lágrymas contidas.
— Mesquinhos passos, porque doidejastes
Assim transviados, e depois tornastes
Ao ponto das primeiras despedidas?

Onde fostes sem tino, ao vento vário,
Em redor, como as aves num aviário,
Até que a asita fofa lhes faleça...

Toda essa extensa pista — para quê?
Se há-de vir apagar-vos a maré,
Com as do novo rasto que começa...

In Clepsydra: Poemas de Camilo Pessanha.
Lisboa: Assírio Alvim, 2003.
Posfácio e fixação do texto: António Barahona ズ