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domingo, 29 de dezembro de 2013

ÀS VEZES, EM SONHO TRISTE.


Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.

Fernando Pessoa
(1888-1935)

sábado, 21 de dezembro de 2013

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

Ricardo Reis, in "Odes"

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Manhã Raia
A manhã raia. Não: a manhã não raia.
A manhã é uma coisa abstracta, está, não é uma coisa.
Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui.
Se o sol matutino dando nas árvores é belo,
É tão belo se chamarmos à manhã «Começarmos a ver o sol»
Como o é se lhe chamarmos a manhã,
Por isso se não há vantagem em por nomes errados às coisas,
Devemos nunca lhes por nomes alguns.

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Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

"O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade."

F.P.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Quando compões o cabelo
Com tua mão distraída
Fazes-me sempre um novelo
No pensamento da vida.
...
Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.
...
Esse xaile que arranjaste,
Com que pareces mais alta
Dá ao teu corpo esse brio
Que à minha coragem falta.

Fernando Pessoa, in Quadras ao gosto popular (Ática, 1965).

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Nada fica


Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

Ricardo Reis, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa
(1888-1935)

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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

SORRISO AUDÍVEL DAS FOLHAS




 Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

 

Fernando Pessoa
(1888-1935)

sábado, 7 de setembro de 2013

Não me digas mais nada



Não me digas mais nada. O resto é a vida.
Sob onde a uva está amadurecida.
Moram meus sonos, que não querem nada.
Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.

Sob os ramos que falam com o vento,
Inerte, abdico do meu pensamento.
Tenho esta hora e o ócio que está nela.
Levem o mundo: deixem-me o momento!

Se vens, esguia e bela, deitar o vinho
Em meu copo vazio, eu, mesquinho
Ante o que sonho, morto te agradeço
Que não sou para mim mais do que um vizinho.

Quando a jarra que trazes aparece
Sobre meu ombro e a sua curva desce
A deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,
Por teu braço teu corpo me apetece.

Não digas nada que tu creias. Fala
Como a cigarra canta. Nada iguala
O ser um sonho pequeno entre os rumores
Com que este mundo.

A vida é terra e o vivê-la é lodo.
Tudo é maneira, diferença ou modo.
Em tudo quando faças sê só tu,
Em tudo quanto faças sê tu todo.

Fernando Pessoa
(1888-1935)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Feliz dia



Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!

Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!

Fernando Pessoa

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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

TORMENTA
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...
Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar escuro estruge.
26-2-1934
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
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