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terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Metafísica e biscoito

no meio dos latidos da noite
quando o silêncio atinge a qualidade
dos latidos da morte e as folhas caem
impressionavelmente sangradas;
no meio frio de um colchão inquieto
com os olhos pensativos resvalando no teto
e as mãos descendo pelo corpo
como a buscar sua realidade longínqua
quando os morcegos da melancolia
atravessam sem bater entre as árvores
e alguma coisa enraizada confusa
parece brotar de novo entre as pernas;
nesse espaço fundamental reduzido
onde as idéias se sucedem largadas
numa associação intempestiva
que é impossível deter ou compreender;
no cerco sem limite de um quarto
que roda em vários mundos e alterna
com a sensação de não haver nada disso
que dá contorno e forma à própria insônia —
— o homem dá um salto e se puxa
para fora do pântano
e devora um biscoito
e bebe um copo d'água e acende
um cigarro e mais outro.

Leonardo Fróes

Justificação de deus


o que eu chamo de deus é bem mais vasto
e às vezes muito menos complexo
que o que eu chamo de deus. Um dia
foi uma casa de marimbondos na chuva
que eu chamei assim no hospital
onde sentia o sofrimento dos outros
e a paciência casual dos insetos
que lutavam para construir contra a água.
Também chamei de deus a uma porta
e a uma árvore na qual entrei certa vez
para me recarregar de energia
depois de uma estrondosa derrota.
Deus é o meu grau máximo de compreensão relativa
no ponto de desespero total
em que uma flor se movimenta ou um cão
danado se aproxima solidário de mim.
E é ainda a palavra deus que atribuo
aos instintos mais belos, sob a chuva,
notando que no chão de passagem
já brotou e feneceu várias vezes o que eu chamo de alma
e é talvez a calma
na química dos meus desejos
de oferecer uma coisa.

Leonardo Fróes