domingo, 15 de setembro de 2013

Escrever poemas com poesia

....uma carta do poeta Manoel de Barros, enviada à poetisa (ou poeta?) Raquel Naveira, cujo teor era a análise que ele fizera de alguns poemas dela, talvez nos anos 1970




Reproduzo aqui o que mais me encantou nas palavras desse poeta maior:

"É preciso colocar o leitor desde o primeiro verso, se possível, ou desde a primeira estrofe, dentro da supra-realidade. É preciso que se implante a mágica. E mágica, em poesia, você sabe, é com metáfora que a gente implanta. Ou com música. Sei lá, um mistério desses.

Noto ainda que você dá mais importância aos sentimentos do que às palavras. Aos movimentos do coração mais que os da inteligência. Você tem um mundo interior muito bonito e se empolga com ele, esquecendo um pouco o verso, essa unidade rítmica do poema. Sinto que você quer se contar e muitas vezes, para isso, se derrama quase prosaica. Eu acho que a gente tem obrigação de escolher as palavras ou, pelo menos rejeitar algumas que soam feias (...) Eu evitaria alguns lugares-comuns como estes: Desejos frustrados; reflexos prateados; alegria de viver; sonhos inatingíveis etc. Lugar-comum é esclerose da língua. Poeta tem como função descobrir novas relações para as palavras (...) elemento construtivo do verso é o ritmo. Verso é o mesmo que uma construção fônica (...) O seu mundo interior é fascinante, mas não se empolgue muito em contá-lo. O fazer poético é que torna o poema durável. Não é seu assunto. Todos os assuntos já foram ditos. Mas eles só ficam na terra se fundados, inventados de novo pela linguagem, transfigurados." E termina: "Gosto mais das coisas que entendo. Principalmente gosto daquelas que eu entendo de diversas maneiras. A ambiguidade é que abre o poema para todos os entendimentos".

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