Não tenho lágrimas
estou mais baixo
junto à cal
Vejo o solo extinto
Não oiço ninguém
e não regresso
Adormecer talvez
junto a uma estaca
com uma pequena pedra
sobre as pálpebras
estou mais baixo
junto à cal
Vejo o solo extinto
Não oiço ninguém
e não regresso
Adormecer talvez
junto a uma estaca
com uma pequena pedra
sobre as pálpebras
Também de rasgões é feito o poema
Também de rasgões é feito o poema
entre uma possível estrela e a carne dolorosa
E nele se desenha a sombra de um crânio
ou as mãos vazias que perderam o rastro
de um segredo evidente submerso no opaco
Todo o tempo perdido
Todo o tempo perdido
para não me perder
para não sufocar
Poderei ainda
reconhecer
atrás das pálpebras
a intacta ferida?
Por vezes de um poema concluído
Por vezes de um poema concluído
subsiste um aroma frágil instantâneo
que acende sobre nós uma ingénua estrela
que ilumina os nossos gestos
e aligeira os passos sobre as pedras claras
in "A Intacta Ferida"
António Ramos Rosa (Faro, 17-10-1924 / Lisboa, 23-09-2013)
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