domingo, 12 de janeiro de 2014



Ergues o olhar:

surpreendes por instantes essa hora em que o mundo envelhece

ténues as variações do branco parecem dissolvê-lo

numa longínqua música, anterior à chuva.

Ou será então a imagem submersa de um filme a preto e branco

Há próximo um branco vibrante:

o da cal ainda recente mas que a humidade salina já a espaços mordeu,

recortando as feridas cinza na varanda a que vens.




Não há ninguém aqui. Quem te chame, digo.


Há o branco baço na parede que em frente em vão separ a rua e praia.

Tendo já transposto essa fronteira incerta ou erguendo-se para lá dela.

Há o branco pobre da areia.

As dunas planetárias sustentam os corpos deitados de mar e céu.

Aí é agora o grande branco:

o clarão velado e difuso que guarda e distribui a memória embaciada

do azul e do verde, do oiro e da prata -

uma lembrança vã.

Tu escreves no visível do mundo essa névoa branca e desolada

que o motor da paisagem produz.

As folhas do ar são como se fome

as levíssimas pétalas,

as vagas sílabas de uma neve -

e essa névoa engolfa, atrasa e apaga na travessia dos simulacros

das coisas supostas e imaginadas que o mundo te envia

enquanto esperas por alguém que não virá.


Manuel Gusmão

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