quinta-feira, 3 de janeiro de 2008
A minha luta é esta:
sagrado de saudade
divagar pelos dias.
Depois, largo e forte,
com mil raízes fundo
mergulhar vida dentro -
e, amadurecido em dor,
ir longe pra além da vida,
longe pra além do tempo!
Rainer Maria Rilke (1875-1926)
Primeiros Poemas. Advento (1898)
In Poemas, I (Coimbra, 1942) (pref., selec. e trad. de P. Quintela)
quarta-feira, 2 de janeiro de 2008
Calai os versos abstractos
E a mansidão dos olhos que têm os bois pacatos.
Calai tanto, tanto espírito na terra,
E a cristianíssima paz que nos faz guerra.
Calai, promessas de anjo, o céu sublime,
Quando as mãos, cheias de oiro, trazem máscaras de crime.
Calai loas de amor às crianças maltrapilhas
Que esses farrapos de alma não lhes cobrem as virilhas.
Calai as lágrimas à beira dos enfermos:
Prefiro a solidão que é soluço nos ermos.
Calai, palhinhas de Jesus, que sois o ai de quem ama:
Paz na terra e no céu: ao cristão, ao judeu, e à gentílica moirama.
Calai-vos, bêbados aos bordos nas estradas:
Para matar tristezas, Nossa Senhora das Dores com suas sete espadas.
Afonso Duarte (1884-1958)
Ossadas
In Obra poética
terça-feira, 1 de janeiro de 2008
Recordação
Eu bem sei
Que rodo em muitas esferas,
E não sei
Por onde me levas, poesia.
Quando vou,
E não encontro ninguém,
Tenho medo do que sei:
Um filho de sua mãe
E seu pai,
Ou algum longínquo avô,
A quem um poeta sai.
Será também o Deus da infância
E a árvore sagrada
De frutos proibidos,
Na fragrância
Com que rasguei meus vestidos
E não retirei os ninhos...
Enchi de rosas a terra
E levo nas mãos espinhos.
Afonso Duarte (1884-1958)
Post-Scriptum de um combatente
In Obra Poética
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