quarta-feira, 29 de maio de 2013

Empurra o coração...

Empurra o coração,
Quebra-o, cega-o
até que nasça nele
o poderoso vácuo
do que nunca poderás nomear.
Sê, ao menos
a sua iminência
e osso quebrado
de sua proximidade.
Que se faça noite. (Pedra,
nocturna pedra solitária.)
Levanta, em seguida, a súplica
que a palavra seja só a verdade

Jose Angel Valente 
mudado para português por antónio carneiro
Foto: Noche Primera    Empuja el corazón,  quiébralo, ciégalo,  hasta que nazca en él el poderoso vacio de lo que nunca podrás nombrar.  Sé, al menos,  su inminencia  y quebrantado hueso  de su proximidad.  Que se haga noche. (Piedra,  nocturna piedra sola.)  Alza entonces la súplica:  que la palabra sea sólo verdad.  *  Empurra o coração,   Quebra-o, cega-o   até que nasça nele o poderoso vácuo do que nunca poderás nomear. Sê, ao menos a sua iminência   e osso quebrado de sua proximidade.   Que se faça noite. (Pedra,   nocturna pedra solitária.)   Levanta, em seguida, a súplica que a palavra seja só a verdade  Jose Angel Valente  mudado para português por antónio carneiro foto por Salome

terça-feira, 28 de maio de 2013

arabescos
brotando
do fundo da alma
e nada os demoverá.

o amor cresce
da flor da paz
à tua mão há-de chegar.

antónio carneiro

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Praia


Um tórrido silêncio
rodeia em flor os braços
campo de amor – as ondas
sinal de vida – os passos

os mastros são lanças
memória que atravessa
os corpos das crianças

os corpos são tão barcos
cruéis pesos que inundam
os colchões amarelos
onde os olhos se afundam

tece na areia o sangue
doirada geometria
e o sol sugou pelos dedos
a vida da baía.


A Praia, Armando Silva Carvalho
(Lírica Consumível, 1965)

Soneto da mulher ao sol

Soneto da mulher ao sol

Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.

Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pêlo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.

Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce

E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...

Vinícius de Moraes
(1902-1987)

Mais sobre Vinícius de Moraes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin%C3%ADcius_de_Moraes

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Sonhei contigo

Sonhei contigo

Sonhei contigo
embora nenhum sonho possa ter habitantes
tu, a quem chamo amor,
cada ano pudesse trazer um pouco mais de convicção
a esta palavra.

É verdade
o sonho poderá ter feito com que,
nesta rarefacção de ambos,
a tua presença se impusesse
como se cada gesto do poema te restituisse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus lábios
com o rebordo desta chávena de café já frio…

Então, bebo-o de um trago.
o mesmo se pode fazer ao amor,
quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço
-terra, água, nuvens, rios e o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência das fontes.

É isto, porém, que faz com que a solidão
não seja mais do que um lugar comum
saber que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me responda
quando, uma vez mais te chamo.

Nuno Júdice
(1949)

Mais sobre Nuno Júdice em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nuno_J%C3%BAdice

Risco

Risco

Um poema livre
da gramática, do som
das palavras
livre
de traços

Um poema irmão
de outros poemas
que bebem a correnteza
e brilham
pedras ao sol

Um poema
sem o gosto
de minha boca
livre da marca
de dentes em seu dorso
Um poema nascido
nas esquinas nos muros
com palavras pobres
com palavras podres
e
que de tão livre

traga em si a decisão
de ser escrito ou não

Oswald de Andrade
(1890-1954)

A intangível beleza


A intangível beleza

Saiu da mão direita de Deus e é contemporânea do Gênesis.

Seus curvos braços, feitos para fecharem-se,
ainda estão imóveis, em golfo abertos, 
friamente, diante de todas as águas, 
com seus peixes, suas ondas, seu sal cheio de música. 
Apenas os estremece, às vezes, um ritmo de fuga ante o esplendor do fogo próximo. 

Compõem sua boca as curvas do infinito e a luz,
e habitam seus olhos de maio e de distância 
os vocábulos de oculto país, verdes, esveltos e evasivos. 

O romper do dia espera o alvorecer dos seus pés no chão,
caem as noites e murcham os coraçõe ao esmorecer de suas pálpebras, 
e as tardes refugiam-se em seus cabelos de crepúsculo. 

Seu ser interior e corporal é a linfa de uma fonte ausente:
pensá-lo é escalar o vértice, regressar às origens, 
ver a poesia nascendo e projetando no mundo o seu mistério. 

Que gesto apartará as colunas e separará terras e águas?
Que tacto se delumbrará nos brancos astros? 
Que lábio incendiará a ânfora no abismo? 

(Do ninho de suas mãos obscuros pássaros cantam:
sua beleza é uma ilha de nenhum mar.)

Abgar Renault
(1901-1995)

Mais sobre Abgar Renault em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abgar_Renault

terça-feira, 14 de maio de 2013

madrigal y presentimiento.


 " Con la tristeza propia del que sabe,
       o recuerda de pronto, que algún día
       regresaran las horas- como un péndulo
       que midiera los años y se venciese
       a su lugar exacto-,
       me vuelvo a ti, te miro, te adivino
       lejanamente bella, sonreída
       de nostalgias, hundiéndote en los ojos
       de los años que tuve "

         Rafael Montesinos ( 1920-2005 )

sábado, 4 de maio de 2013

Esse olhar que era só teu

poema de Rafael Montesinos

Penetrar-te ou beijar-te fora igual
pois que nunca houve na terra
fruta mais cobiçada pelo homem.

Nem a romã aberta se te iguala
no frondoso jardim quase oculto.

Suculenta polpa que a partir convidas
tua humidade quente em duas metades
vulcão dos desejos
possuir-te é dos deuses.

Eles por ti lutaram imortais
lutas convertidas em puro mármore.

Fruta guardada em monte de espessura
através dos séculos segues sendo
mais cobiçada ainda que o paraíso.

Rafael Montesinos (1920-2005)
mudado para português por aj c.

http://youtu.be/sxwIWwdBWzY